Comer é um ato político, assim como semear, plantar e colher. A experiência de uma pequena horta, pensada a princípio como espaço de ensino, se desdobrou também em ações de extensão, pesquisa e diversas reflexões. A ação de cuidar coletivamente de uma pequena horta tem nos estimulado, através da relação cotidiana com as pessoas e com os nossos espaços de vivência, em criarmos atividades de pesquisa sobre seus cotidianos e práticas espaciais.
Nossa horta está no campus da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro localizado em Nova Iguaçu, município da Região Metropolitana da Cidade do Rio de Janeiro e, também, de uma região conhecida como Baixada Fluminense. Na atualidade, a região onde a universidade está localizada é uma importante área periférica da cidade do Rio de Janeiro, assistindo a um público majoritariamente oriundo desta região e outras partes da periferia metropolitana.
A partir do diálogo e da troca cotidiana com estudantes, minha prática docente, pesquisas e relações com o entorno da universidade foram se transformando e, em diversos sentidos, se aprofundando. Das aulas com debates intensos e trabalhos de campo, passamos ao planejamento e construção da horta que, rapidamente, passou também a se relacionar com a Feira da Agricultura Familiar (FAF) do Instituto Multidisciplinar (UFRRJ). Estes encontros e trocas cotidianas com as agricultoras e agricultores que frequentam semanalmente o campus universitário tem sido promotores de ainda mais intensas transformações em minhas perspectivas de pesquisa, ensino e extensão.
Aos poucos a gestão da horta passou a ser ligada a um coletivo que nomeamos de colher urbano. A horta foi se mostrando importante espaço de experimentação, de trocas e de estímulo à pesquisa. Ao nos relacionarmos, através das trocas de mudas, sementes, comidas, carinhos e dicas práticas, com os agricultores da feira e os estudantes, foi se construindo um interesse coletivo em pesquisarmos e divulgarmos a agricultura e as agricultoras e agricultores que residem e resistem atuando em Nova Iguaçu e nos demais municípios da Baixada Fluminense. A prática da horta nos encaminhou a nos questionarmos sobre a potência das práticas agrícolas nas periferias da metrópole carioca, na presença intensa de mulheres nestes contextos e na necessidade de divulgação e valorização coletiva destes alimentos, comercializados por quem os produz.
Procurando realizar as pesquisas de forma horizontal e com os feirantes envolvidos em todas as etapas, apresentamos uma proposta de pesquisa e mapeamento coletivo na última assembleia da FAF de 2019. A proposta foi aceita e, imediatamente, surgiram diversas ideias de ampliação da proposta inicial. Este projeto de pesquisas, que acabou também se organizando enquanto coletivo, nomeamos de Terra Periférica. Infelizmente, ainda em março de 2020, as atividades de construção da pesquisa foram suspensas sem nem bem começarem, devido à pandemia de Covid-19. O que fazemos com uma horta e uma feira (e as pesquisas relacionadas a elas) que não tem espaço para acontecerem, com a universidade em trabalho remoto?
As estratégias foram surgindo aos poucos e continuam a serem inventadas. De encontros coletivos para debatermos textos e possibilidades práticas de ajuda mútua durante a pandemia, passamos para leituras sobre a história da agricultura na Baixada Fluminense, o que acabou sendo um ponto de inflexão em nossos encontros virtuais. Seguimos neste site com a proposta de divulgarmos as ações e aprendizagens que obtivemos a partir dos diálogos dos coletivos colher urbano e terra periférica. São coletivos diferentes e iguais, que se misturam e separam... Colher terra, colher periférico, terra urbana, urbano periférico, seguimos juntos.
Roberta Arruzzo
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